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São três e meia da manhã.
O bar está quase vazio.
Quase.
Há uns poucos clientes espalhados pelo espaço, todos sendo servidos por empregados
cansados e exaustos que mal podem esperar para vê-los pelas costas.
Diferentemente dos demais, ela encontra-se sozinha.
Como sempre.
Como das outras vezes.
Casco negro cumprido misturando-se com ondas de cabelo loiro,
calça de ganga justa e botas que mais pareciam destinadas ao NBA.
Lá está ela, ainda mais uma vez, sentada e acompanhada apenas pelos seus cigarros,
seus pensamentos, sua bebida e seus papéis, ou melhor, guardanapos.
Escreve sem parar desde que chegou.
Escreve e escreve e escreve.
Palavras desconexas, palavras coloridas,
palavras doces, palavras confessionais.
Está a escrever uma carta para alguém - pensa ele.
Uma pessoa querida, bastante querida.
Ele imagina saber que os textos albergam, todos eles, uma declaração de amor
por alguém...
Não haveria sequer uma palavra a mais do que o necessário.
Tudo o que ela sempre quisera dizer estaria lá, naqueles pequenos guardanapos
de papel vagabundo, amassados.
Entre um e outro cigarro e pequenos goles de Martini Bianco, ela dissecava toda a sua vida,
todo o seu amor, toda a sua dor.
Sim, sabe que está a fazer uso da bebida - reflecte -
aproveita para afastar o medo e escreve tudo aquilo que esconde lá dentro.
Aproveita o senso turvo para se abrir.
Como nunca.
Como sempre quis.
No final de um provável décimo guardanapo, ele apercebe-se que ela decidiu ir-se embora.
Com os olhos vermelhos e cansados e cheios de lágrimas, pede a conta, paga,
levanta-se e dirige-se pesadamente, à saída.
“Desculpe...”
Ela vira-se e pergunta - “Eu ?”
“Sim...esqueceu isto...” - diz ele, apontando para os guardanapos.
“Pode deixar aí mesmo” - responde, disfarçando as lágrimas.
“Umm...não entendo.
A senhora passou a madrugada toda a escrever e agora vai-se embora,
deixando-os aqui ?
Vão deitá-los no lixo...como os outros...que já ficaram por aqui...
não que eu tivesse visto...quer dizer...lido o que está neles...
isto é...bem...quero dizer-lhe...parece-me muito triste...
não está certo!”
Ela olha-o com um sorriso terno.
“Então, não os deite fora.
São, mais ou menos, como que uma declaração de amor.
Uma declaração sem fim...aliás...
Dê-os a alguém que você ame.”
Ficou ainda mais desconcertado.
Confuso, pergunta - “Mas...porque não os entrega a quem estão destinados?”
Ela apenas sorri, a mágoa flamejando em olhos brilhantes e escuros.
“Entregue-os a alguém que você ame. Mas tenha a certeza...que também o amam.
Boa sorte...desejo-lhe sorte...mesmo...”
E, numa redopiar suave, dirige-se à saída, com uma elegância silenciosa.
Ele, fica parado, guardanapos na mão, palavras prisioneiras a inchar-lhe a garganta.
Merda !
Grande merda ! - berrava-lhe o seu ego estilhaçado.
Mais uma vez, não foste capaz !
“Olha, olha ! Então ? Está na hora ! Vê lá se te despachas com as mesas...
Que fazes aí especado com esses papeis nas mãos ?”
“Nada !!!”
Mais uma vez, iria guarda-los e lê-los mais tarde,
pela madrugada adentro,
o aroma dela a invadir-lhe os sentidos,
o corpo,
a alma...
Da próxima vez ! - pensa - da próxima vez...