Lá fora o sol era cúmplice enganador e a brisa nada quente gelava os corações
que já de si viviam aflitos, desgostosos e sem esperança.
Do seu lugar insuspeito, entretia-se a ver as pessoas a passar.
Tornara-se angustiante ver aquelas olhares vazios,
braços caídos, cabeças baixas.
Gente sombria.
Vidas falsas.
Sociedade destroçada.
Famílias desunidas.
Pessoas sós.

Parou para contemplar o azul celestial que preenchia o rasgo
entre prédios vizinhos.
Em criança teria facilmente imaginado um portal mágico
com acesso a mundos distantes desconhecidos e com toda a certeza,
cheios de descobertas maravilhosas.
Como jovem, o mais provável era sonhar com uma deusa linda,
perdida algures no universo, à espera dele para ser libertada
de algo que a afligia.( é claro que isso não importava nada,
desde mente que ele fosse o grande herói..!!).

Como tudo e tanto muda – pensou.

No entanto,naquela tarde, tal portal podia simplesmente significar
a passagem para um lugar tranquilo e seguro.
Talvez fosse possível encontrar um sítio onde pudesse descansar,
onde o tempo ficasse à porta, onde o mundo dele não tivesse qualquer
significado ou peso, onde ele podia levar alguém especial
com toda a naturalidade, onde eles podiam viver o
amor clandestino que partilhavam, em plenitude,
sem culpa e sem medo.

E, quem sabe, com alguma sorte, tratando-se de um local tão diferente,
talvez encontrasse quem lhe pudesse falar por experiência própria,
de coração puro e conhecedor, falar de uma vivência semelhante,
de uma vida complexa e conturbada, de sentimentos reprimidos,
de decisões sofridas, de dores gritantes, do tempo irrecuperável...
dos riscos imprevisiveis....

Bem, afinal..não passava de mais um coração pretencioso...