Escapadinha
16.02.21
"Puxa amor...que fazes aqui no frio ?...É tão cedo ainda..."
Com isto sentiu-se abraçado por trás.
Quem o fazia envolvia-o por debaixo dos braços, entorno do peito,
mãos fechadas em punho, por forma a não largar a manta felpuda
que trazia em torno do seu próprio corpo.
O beijo de lábios recém acordados na base da nuca conferiam
à pergunta um toque carinhoso, levando-o a substituir as mãos dela
no agarrar da manta, permitindo a colagem do seu corpo quente ao dele
e liberdade às mãos para se enterrem por debaixo da t-shirt,
os biquinhos atrevidos dos seios trespassando o algodão.
"Desculpa miúda...acordei-te?
Vi o sol espreitar a encosta...acolá...por cima do castelo...vês?
E...olha...deu-me vontade de vir até aqui fora..."
Ambos olhavam a praça da vila, ainda deserta.
Uma carrinha solitária, de entregas de botijas de gás, percorria a estreita ruela
adjacente à imponente igreja matriz, os sons do motor a gasóleo e dos pneus
na calçada contrastando fortemente com o silêncio ensurdecedor que tomara
conta do local que com toda a certeza, àquela hora, normalmente, estaria a vibrar
com os afazeres das gentes que por aquelas paragens habitavam, passeavam,
e ganhavam o seu sustento.
Como tudo mudara...tão depressa...
Que mundo frágil, instável e imprevisível...
A ideia da escapadela no início da semana tinha sido dela.
Ele, quase que dissera que não.
No passado teria dito que não.
Vivera algo semelhante, no passado.
Lembrava-se.
Hoje em dia estava arrependido dessas decisões e não queria repeti-las.
"Dormiste bem fofinha?"- perguntou-lhe.
"Dormi sim...nem dei conta de ter adormecido!"
"Pois...fiquei a falar para as paredes...porque as tuas respostas tornaram-se indecifráveis!"
Ela riu-se nas costas dele -"Não me desculpo. O culpado está à minha frente..."
"Ai é? Quem é que pediu room service depois de jantar? Quem foi?"
"Oh amor...diz lá que o Porto não acrescentou algo mais?
Até parece que não gostaste de prová-lo a escorrer por mim abaixo..."
Os risinhos dela faziam-na parecer uma personagem cartoon maquiavélica.
"És tãoooo engraçadinha. Sabes qual é a tua sorte, não sabes?
Queria ver como é que te orientavas hoje na sala de refeições se não fosse
obrigatório servirem os pequenos almoços nos quartos..."
"Então porquê? Até parece!"
"Ri te, ri te. Imagina só...estares entretida no buffet e ouvires - olha deve ter sido aquela..."
"Como sim? É mesmo parvo!"
Não parara de rir, mas fugira da varanda para o interior do quarto, gatinhando por cima da
cama, traseiro empinado, vislumbrando-se por entre pernas a beleza da sua intimidade,
enquanto procurava o telemóvel que caíra no tapete, não tardando o soar de uma música que
tocara da pen dela, aquando da viagem de carro.
"Eu?? Parvo? Não sou eu que vou ficar conhecido aqui como o *Ai amor, Ai amor!*
Mas ok, nem tudo seria mau. Ao menos poderiam constatar que ainda estás viva.
Assim vão ter de perguntar a quem levar os pequenos almoços aos quartos,
se aqueles gritos *Vais matar-me amor! Matas-me!*, apenas fizeram parte do nosso ritual."
Agora, também ele não conseguia resistir a uma boa gargalhada.
"E...deixa-me dizer-te, que essa música é muita manhosa, tá!"
Por aquela altura ela rebolava-se que nem criança, rindo descontraidamente.
Ele olhava-a. Que mulher gira. Pessoa fantástica. Digna de ser amada.
Suspirou.
Viu-a puxar os cobertores até cima e desaparecer debaixo deles.
Ela merecia tanto mais do que aquilo que ele lhe proporcionava.
Sem duvida, merecia o total empenho dele naquela relação.
Gostava muito dela.
Havia tanto a descobrir nela.
Sobretudo, ela fazia-lhe tão bem.
Tinha o dom de saber olhá-lo, escutar, sentir.
Era raro, encontrar alguém assim.
A jovialidade de carácter encaixava na perfeição com a maturidade alcançada.
Sim, agradava-lha muito o seu jeito de ser.
Queria acreditar que eventualmente seria transportado para um estado de alma
diferente, em que o seu coração levantasse as amarras do passado,
deixando-se livre para amar e para confiar, de novo.
"Mozinhoooo...andaaa..Advinhas o que estou a fazer a mim mim?"
"És uma tretas...Só se prometeres que não vais acordar os outros hospedes..." -
atiçou-a, rindo, enquanto fechava as portadas e retirava os boxers.
"Ai amor...anda-la! Quero lá saber quem acordo!!"
Foi ter com ela.
O que mais queria naquela manhã era perder-se debaixo dos lençóis com ela.
E, queria esquecer, ultrapassar o momento em que acordara,
uma conhecida dor súbita tomando conta dele,
fazendo-o esquivar-se sorrateiramemente para a sacada,
para limpar a cabeça e assentar as ideias.
Acordara sobressaltado.
Acordara a sentir que não era ela...que dormia ao seu lado.
Perdoou-se.
Havia de conseguir vencer.
Tinha de acreditar!